Essa é a principal forma de remuneração de categorias que atuam como pessoa jurídica; especialistas alertam para risco de encarecimento de serviços
Se aprovada, a reforma do Imposto de Renda (IR) do governo federal, que tramita na Câmara dos Deputados, aumentará a carga tributária para profissionais liberais que atuam como pessoa jurídica, além de sócios de empresas, que precisarão lidar com a tributação de lucros e dividendos, até então isentos.
O lucro de uma empresa nada mais é que o resultado positivo calculado após as despesas e pagamento de impostos. Essa é a principal forma de remuneração de categorias que prestam serviço por meio de pessoa jurídica, como é o caso de médicos, dentistas, advogados, contadores, entre outros que muitas vezes mantêm um CNPJ com um sócio apenas, geralmente um membro familiar.
Hoje, a tributação incide sobre a receita. O que a equipe econômica do governo propõe é reduzir o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), para empresas de todos os setores, e acabar com a isenção de lucros e dividendos, que seriam tributados em 20% na fonte.
Na prática, o dono do negócio pagaria uma alíquota menor de IRPJ, mas precisaria arcar também com a nova tributação. Já os sócios ou acionistas, que não pagam pela participação no lucro, como fazem os empregados em relação aos seus salários, teriam uma parcela dos ganhos abatida pela União.
Pagaria mais IR quem recebe qualquer distribuição de lucros e dividendos de empresa com faturamento acima de R$ 4,8 milhões e quem recebe mais de R$ 20 mil de lucros e dividendos de pequenas e médias empresas.
Os microempreendedores individuais (MEIs) não seriam prejudicados. Isso porque, embora, em teoria, sejam enquadrados na regra, o faturamento anual dessa categoria não pode passar de R$ 81 mil. Assim, o empresário dificilmente receberia mais de R$ 20 mil em lucros e dividendos num mês.
Na avaliação de Monica Porto, membro do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas do Estado do Espírito Santo (Sescon-ES) e conselheira do Conselho Regional de Contabilidade do Espírito Santo (CRC-ES), na prática, o aumento da tributação deve levar ao encarecimento dos serviços prestados.
“Até então, quando um prestador de serviço emite uma nota fiscal, é tributado de acordo com a Receita. Uma vez que as despesas e os tributos são pagos, se há lucro, pode ser distribuído de forma isenta. O sócio, por exemplo, não paga, porque a empresa já foi tributada sobre o todo. Mas muitos profissionais atuam como pessoa jurídica. É o caso de quase todo dentista, por exemplo. E isso pode ocasionar aumento de preços.”
Para o especialista em Direito Tributário, Gerson de Souza, há pontos discutíveis sobre a proposta do governo. Ele reforça que enquanto a tributação dos sócios pode ser vista como um mecanismo para eliminação de possíveis distorções, os donos de empresas lidarão com uma dupla tributação, o que já é ruim, e se torna pior considerando o peso da nova alíquota, que é de 20%.
“Todo mundo que abrir seu próprio negócio poderá ser afetado. Qualquer pessoa que participa do lucro hoje não tem tributação, mas terá, se essa proposta for aprovada como está. O que está sendo feito é discutível, embora nem todas as ideias sejam desfavoráveis. A correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), congelada desde 2015, por exemplo, é um ponto bastante positivo. É preciso dosar as escolhas.”
A presidente do CRC-ES, Carla Tasso, vê risco, inclusive, de aumento na informalidade de alguns setores, a fim de tentar contornar a nova tributação.
“Algumas atividades serão mais afetadas que outras, mas, com poucas exceções, todas serão penalizadas. E os impactos podem ser vários. Primeiro voltarmos ao cenário de 20 anos atrás, de vários donos de empresas começarem a fazer gastos pessoais pela empresa, a fim de reduzir a margem de lucro. E o governo não quer isso. Outro ponto é o aumento da informalidade.”
Ela observa que há mudanças em estudo, como uma tabela progressiva de tributação, de acordo com o lucro, mas reforça que, até então, não passam de ideias.
Para o CFM, nos termos propostos pelo PL “a oneração tributária impactaria sobremaneira a profissão médica, já tão combalida e esgarçada no justo e necessário combate à pandemia”.
O documento, assinado pelo presidente da autarquia, Mauro Ribeiro, pondera ainda que um ônus fiscal adicional levaria as sociedades e os profissionais médicos ao limiar da inviabilidade da profissão.
“Qualquer encargo adicional de tributação dos dividendos colocaria a carga tributária que recai sobre o profissional médico em níveis muito próximos de um confisco. Por isso, solicitamos que eventual advento da tributação de dividendos traga como exceção na sua sujeição passiva os profissionais liberais organizados em forma de pessoa jurídica, notadamente aqueles integrantes das sociedades médicas”, defendeu.
ENTENDA O QUE MUDA
Pela proposta do governo, haveria uma isenção de R$ 20 mil por mês por pessoa física se a distribuição vier de microempresa ou empresa de pequeno porte.
A medida beneficiaria quem recebe lucros e dividendos de pessoas jurídicas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões.
Caso alguém receba mais de R$ 20 mil de micro ou pequenas empresas, seria cobrado 20% sobre o valor excedente, considerando a soma total vinda daquelas pessoas jurídicas.
Se o profissional recebe lucros ou dividendos de empresa com faturamento anual maior que R$ 4,8 milhões, qualquer valor seria taxado em 20%.
Fonte: A Gazeta (Link)
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